Star Wars IX — The Rise of Skywalker (2019)

Bolívar Escobar
5 min readJan 7, 2020

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[SPOILERS A SEGUIR] Faz sentido Rey ser uma Palpatine: se lembrarmos da controversa trilogia dos prequels lançada entre 1999 e 2005, podemos constatar que o principal motivo que levou Anakin Skywalker para o lado sombrio da força foi por tentar encontrar métodos para reverter a morte de uma pessoa amada. Os cavaleiros Jedi devem, por protocolo, levar uma vida de castidade voltada ao treinamento e à compreensão da Força. Apaixonar-se, casar e ter filhos, porém, são atitudes proibidas e até mesmo condenáveis.

É interessante pensar que o imperador Palpatine poderia ter se virado para o lado sombrio por motivos parecidos com os de Anakin: ele poderia ser sido um sensitivo, ou um aprendiz dos caminhos da Força, que se aproximou de Darth Plagueis, seduzido pelas promessas dos Sith, em busca de um poder que o ajudaria a manter vivos os seus entes queridos. Criar a personagem Rey como um subproduto dessa relação é uma jogada esperta dentro do universo ficcional de Star Wars, pois introduz uma regra que amarra ainda mais os personagens do imperador e do Anakin sob a mesma sina.

Se essa regra, porém, for verdadeira, por que a Disney decidiu que Leia Organa, mesmo depois de se apaixonar e gerar filhos, poderia ser treinada como Jedi? Ela não seria forte candidata a sucumbir ao lado sombrio da Força pelos mesmos motivos?

Ao meu ver, o nono filme da franquia, com todas as suas inconsistências, péssimas escolhas e desfechos anticlimáticos, serve como um bom exercício para analisarmos quais são as diferenças entre um recurso narrativo e uma gambiarra narrativa. Um recurso narrativo é um elemento que busca reforçar ou estabelecer novas regras dentro de um universo ficcional consolidado. Uma gambiarra narrativa é o que acontece quando o responsável por contar uma história fica perdido dentro de um universo ficcional e começa a tentar amarrar pontas soltas de um jeito meio freestyle.

A dificuldade de trabalhar com universos ficcionais está em manter a sua solidez conforme uma narrativa avança trazendo novos conflitos. Na trilogia original, George Lucas introduz os cavaleiros Jedi apresentando os poucos que restaram após a “caça às bruxas” promovida pelo império. De fato, além de Yoda e Obi Wan, nenhum outro Jedi é mencionado, e Luke Skywalker termina o terceiro filme como o único cavaleiro remanescente. Já nos episódios I, II e III, por se passarem antes da trilogia original, conhecemos um pouco mais sobre essa ordem e sobre os detalhes que compõem esse universo ficcional. Um elemento narrativo extremamente controverso que entrou em cena nesses filmes foram as tais da midichlorianas. Mencionadas pela primeira vez por Qui-Gon Jinn ao examinar Anakin, e depois por Darth Sidious para falar sobre a capacidade dos poderes sombrios da Força para criar vida, as midichlorianas são elementos encontrados no sangue de Jedis poderosos, provavelmente sendo responsáveis por fazê-los terem controle sobre a Força.

A ideia dos poderes de Anakin serem causados por alguns bichinhos no seu sangue não foi a melhor sacada — tanto é que nenhuma menção a esses bichinhos aconteceu nos novos filmes. N’O Despertar da Força, Rey acaba caindo no meio do tiroteio entre a Primeira Ordem e a Resistência porque resolve criar empatia com um dróide encontrado enquanto catava sucata. Essa sequência de fatos usa os mesmos recursos narrativos de Uma Nova Esperança, o que é uma forma segura de apresentar personagens de um universo ficcional já bem estabelecido. No geral, o sétimo Star Wars é um filme que joga recuado, apostando em recursos “gêmeos” dos filmes anteriores, ignorando as baboseiras dos prequels e usando boas rimas narrativas.

É com o filme de Rian Johnson que a nova trilogia começa a apostar mais alto. O diretor introduz um interessante recurso narrativo: Rey e Kylo Ren descobrem que são capazes de se comunicar por uma espécie de “telepatia presencial” (uma relação parecida com a de Frodo e Sauron quando o Um Anel era usado). Esse recurso é muito bem explorado no último filme, quando Rey o usa para transferir seu sabre de luz para Ren na luta contra os Cavaleiros. Além disso, Johnson ousou tentar quebrar com o maniqueísmo de Star Wars na cena em que sugere a existência de uma entidade misteriosa que vem bancando os dois lados do conflito.

Ou seja, o segundo filme da nova trilogia estava pendendo para uma narrativa muito mais cinzenta sobre a guerra na galáxia: talvez a ganância e as tramoias financeiras pudessem ser uma força muito mais destrutiva do que a Primeira Ordem ou os Sith? A cereja do bolo foi Kylo Ren ter matado Snoke. Sem dúvida, um eco à atitude final de Darth Vader, mas também um grande ponto de interrogação sobre quem poderia ser o vilão final do terceiro filme.

E aí veio essa desgraça oferecida pela mente insana de J.J. Abrams em conluio com os gênios da Disney.

As escolhas narrativas d’A Ascensão Skywalker são tão sofríveis que o filme consegue transformar até a morte de personagens importantes em mera gambiarra de nada com coisa nenhuma. A morte é um poderoso recurso narrativo. Ela aparece em histórias sempre causando profundas mudanças, gera aflição e obriga os personagens sobreviventes a evoluírem para não terem o mesmo destino. A morte é o que faz o espectador enxergar o elemento humano em cada mito retratado na tela, é o que gera ou resolve conflitos em filmes, livros, seriados. J.J. Abrams mata para fazer voltar a viver Chewbacca, Kylo Ren e até mesmo C3PO, tirando completamente o significado desse elemento narrativo e o transformando em um artifício para avançar a história de um jeito morno e sem orientação.

Além disso, o diretor decidiu que seria legal mostrar como foi o treinamento Jedi de Leia, em um retcon que pareceu ter sido incluído às pressas para fazer a péssima cena de Rey treinando na floresta fazer mais sentido. Outra bosta que a gente teve que aguentar na tela foi a volta do Imperador Palpatine, em carne e osso, fazendo o sacrifício de Darth Vader n’O Retorno de Jedi perder completamente o significado. Pra piorar, o imperador foi capaz de conjurar uma frota de naves espaciais. Isso mesmo: para destruir completamente o recurso narrativo anti-maniqueísta de Rian Johnson, Abrams trouxe uma cena que mostra que o poder do imperador das trevas é muito pior do que o dinheiro sujo na hora de fazer guerra.

São vários os pontos que ainda poderíamos elencar no nono filme para mostrar como ele é ruim e como Abrams conseguiu dar um péssimo desfecho à nova trilogia. Um universo tão rico, com tantas possibilidades, nas mãos de pessoas tão narrativamente míopes: eis o legado da nova trilogia de Star Wars. Perdão pelo sal.

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Bolívar Escobar

Só vim dar uma olhada, já vou embora (textos sobre séries e filmes contém spoilers).