Proposta de meta-análise do naming dos principais programas de auditório da televisão brasileira

Bolívar Escobar
4 min readJul 19, 2021

A ideia do auditório é uma cacofonia contraditória: um grupo de pessoas decide ir até o estúdio assistir ao programa. Este, por sua vez, transmite todas as atrações pela televisão, direto para o conforto da casa das pessoas, eliminando a necessidade de um auditório. É claro que estar presente fisicamente deve ter suas vantagens: receber um aviãozinho de 50 reais, poder acertar a música que está tocando, mandar um abraço pra família, fazer perguntas aos profissionais convidados. O grande charme dos programas de auditório está na imprevisibilidade: semanalmente, roteiristas são desafiados a imaginar algum quadro novo ou resgatar das profundezas da câmara dos deputados algum convidado polêmico para tentar puxar alguns décimos da audiência. Dissertar sobre a fauna e a flora dos programas de auditório brasileiros seria uma jornada sem fim.

É justamente por isso que venho aqui, hoje, propor uma investigação menos ambiciosa. Me chama muito a atenção os nomes escolhidos para essa categoria de programas. Valendo-me do mesmo limítrofe recurso dos historiadores que, em sua ousada busca pelos detalhes do passado, acabam categorizando-o em fatias, resolvo propor a mesma estratégia para tentar classificar os nomes de alguns programas. O objetivo geral é expor uma sistemática que denuncia, nos inconscientes mercadológicos dos responsáveis, uma tendência geral para a escolha desses tais nomes, como se obedecessem a espíritos do tempo ou a requisitos de satisfação dos próprios apresentadores e seu poder de influência.

Começo propondo uma tendência clássica de nomeação. Embora eu prefira muito mais a palavra “conservadora”, por carregar um propósito de resgate valorativo, a tendência clássica enfatiza o apresentador do programa de auditório como um “herói”, um protagonista que se basta pelo seu próprio nome. A ideia do nome clássico é ele ser autodescritivo e prezar pela já mencionada imprevisibilidade do programa. É um programa e pronto, saber disso já basta. Nomes clássicos incluem exemplos notáveis do SBT como o “Programa do Ratinho” ou o “Programa do Silvio Santos”. A Globo tem o “Programa do Jô” como marco nessa categoria.

Avançando na linha temporal, a segunda classificação pressupõe os valores clássicos em uma ressignificação contextual. Ou seja, agrega o que moralmente se destaca no clássico e o encaixa em padrões contemporâneos de consumo: essa classificação são os nomes neoclássicos, que ainda trazem o heroísmo do apresentador, agora contextualizado de maneira geográfica, temporal ou simplesmente acompanhado de uma palavra que contenha algum vislumbre do conceito do programa. Os exemplos de maior pertinência são o imortal “Domingão do Faustão” (indicador temporal somado ao nome do apresentador), “Casa Kalimann” (localizador geográfico), “Encontro com Fátima Bernardes” (contextualizador de experiência) e “Caldeirão do Huck” (metaforização culinária).

Há uma terceira categoria que eu gostaria de nomear como “modernista” devido ao seu reconhecimento da universalização do gênero do programa do auditório, bem como a sua condição de símbolo que deveria se sustentar para além do herói que originalmente o propôs. O modernismo traz consigo a noção da inevitabilidade da morte ou, ainda pior, da demissão ou substituição do apresentador como simples peça do mecanismo produtivo ao qual está submetido. Entretanto, ainda há um apego pelo contexto televisivo, como um programa que precisa ser encaixado a uma grade horária. Um exemplo gritante de modernismo é o “Domingo Legal”, cuja supressão do nome do apresentador mantém a contextualização temporal, mas introduz um juízo valorativo a esse contexto. O “Sabadaço” da Band é outro ótimo exemplo modernista, distorcendo o localizador temporal a favor do quality-time que esperamos como audiência. Exemplos modernistas não são tão raros: o “Altas Horas” denuncia essa tendência ao suprimir o nome do talvez apresentador mais velho da televisão.

Por fim, chegamos na quarta e última categoria, que acaba sendo um amálgama de estilos que não se enquadram em nenhuma tendência anterior. É claro que nos resta classificá-los como os nomes pós-modernos de programas de auditório, que não parecem obedecer a nenhum pré-requisito ou sistemática que os valha. Talvez esses programas tenham tirado seus nomes de alguma abstração conceitual que os descreva vagamente, como o extinto “Descontrole” da Band, ou os milhares de exemplos esdrúxulos da MTV como o “Beija-Sapo” ou ainda os célebres marcos do absurdo televisivo como o “Fantasia”, “Agora é Tarde” ou o “Tentação”.

É claro que existem exceções à regra que mesmo o pós-modernismo não consegue abraçar. Microtendências são visíveis em nomes que, por exemplo, tentam passar a ideia do programa de forma literal ou quase violenta, como o “Topa Tudo Por Dinheiro”, que se tratava de pessoas topando tudo por dinheiro, ou o “Passa ou Repassa”, que consistia em uma série de perguntas que poderiam ser respondidas, passadas ou repassadas, ou ainda o “Tudo Pela Audiência”, que era um programa no qual os apresentadores estavam fazendo tudo pela audiência. Outra microtendência poderia ser um minimalismo inaugurado pelo “H”, o programa cujo nome é apenas uma letra, ou o “Angel Mix”, que eu não lembro o que era.

Eu espero que essa meta-análise nos ajude a identificar estratagemas e artimanhas nos próximos programas de auditório. Pegando um exemplo que gosto muito, o “Xou da Xuxa” apela para características clássicas em sua composição: é um show e é da Xuxa. O pulo do gato está na corruptela do “X” como substituto ao “Sh” do “Show”. Ou seja, trata-se de uma roupagem superficial, um artifício sensorial para escorregar, pelas entrelinhas da novidade, o que não passa de mais uma proposta conservadora ao público jovem e desavisado. O Xou da Xuxa é o “Partido Novo” dos nomes de programa de auditório.

Texto originalmente publicado no jornal RelevO na edição de junho/2021.

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Bolívar Escobar

Só vim dar uma olhada, já vou embora (textos sobre séries e filmes contém spoilers).