Precisamos que Bolsonaro acidentalmente fique com a mão grudada na maçaneta da porta do banheiro

Bolívar Escobar
6 min readMay 6, 2020

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O Bolsonarismo é a segunda doença mais grave a contribuir para a sobrecarga do sistema de saúde brasileiro em 2020. São diárias as façanhas protagonizadas pela família que, por motivos ainda pouco compreensíveis, foi a escolhida para encabeçar as hostes da direita nacional.

Entretanto, a insatisfação já beira ao indizível quando conferimos as armas apresentadas para contra-atacar: pilhas e pilhas de notas de repúdio são proclamadas ao léu enquanto o capitão-corona sai do palácio para comer coxinha, limpar o nariz com as costas da mão, cumprimentar seus acólitos COM A MESMA MÃO e regurgitar bobagens em rede nacional.

Por mais desolador que o cenário seja, não podemos deixar que o sangue nos suba à cabeça: é necessário responder com sagacidade aos inúmeros desafios que esse ano tem apresentado. No tão distante 2018, nossa inocência nos permitiu imaginar que seria possível dialogar com a turba de seguidores da família. Se subestimamos a ignorância deles ou se superestimamos as conquistas do “diálogo” na história da humanidade, o fato é que sempre haverá lugar para o cavalo da ignorância no páreo da democracia. Entretanto, agora o cenário não é mais o de eleição, e sim o de pandemia. E esse cavalo, agora o vencedor da corrida, está nos custando mais do que jamais poderemos pagar.

“Mas e então, o que diabos fazer?” pergunta-se o brasileiro, todos os dias, antes de deitar a cabeça no travesseiro. A opção do impeachment é tentadora, pois derrubar o Coronaro no jogo de cartas parlamentar seria honrar essa grande tradição brasileira: não deixar um presidente passar pelo mandato sem ter que fazer malabarismos financeiros para comprar votos na câmara. Infelizmente, o que essa opção tem de civilizada ela também aparenta ter de longínqua.

Não há ainda sinais claros de articulação entre deputados e senadores para levar o pedido adiante. Nessas horas, seria bacana ouvir as palavras do mestre da articulação Eduardo Cunha, que infelizmente encontra-se infectado pelo novo coronavírus. Talvez ele poderia dar umas dicas sobre como a sombra de um doloroso Comitê de Ética poderia pressionar Rodrigo Maia a deslizar um dos mais de trinta pedidos de impeachment para cima da mesa, mas fica difícil enxergar os aliados de um presidente sem partido, sem princípios, sem escrúpulos etc.

Brilha no horizonte, porém, a esperança de comprovar que o desgraçado-pai tenha cometido algum crime. Comum (a ser acusado mediante provas) ou de responsabilidade (possivelmente uma média de um a cada dois dias). Nesses casos, o processo de afastamento seria instaurado e estaríamos livres de ter que aguentar novos pronunciamentos em rede nacional, pelo menos. Também, contudo, tal procedimento cai nas mãos dos sabichões do congresso, o que empalidece um pouco o brilho desse horizonte.

A esperança permanece se tentarmos contabilizar as maracutaias que respingam, ainda que de leve, na família. Ora, água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. A mais recente é protagonizada pelo ex-juiz, ex-ministro e ex-usuário do Telegram Sérgio Moro, que serviu por mais de um ano ao governo para então avisar que não concordava com o governo e cair fora. Agora, enquanto presta depoimentos e apresenta supostas provas, temos que aguentar o Bolsonaro rechaçando o magistrado maringaense enquanto valida as provas sem querer, mostrando prints do próprio zap zap. Daqui a pouco o nosso chefe de Estado vai achar uma boa ideia também publicar no Diário oficial da União o seu histórico de navegação do Google Chrome, vamos aguardar.

Reza a lenda que o que motivou a debandada do ministro da justiça foi a insistência do presidente em querer manobrar investigações da Polícia Federal do Rio de Janeiro, estado que foi palco do brutal assassinato da vereadora Marielle Franco há dois anos. Nas palavras do próprio presidente, há uma tentativa de jogar nas mãos do filho Carlos o encabeçamento do crime, visto que o tamanho da cabeça do indivíduo não é de se ignorar. Ainda que nada seja provado sobre o assassinato, é curioso observar como os ânimos da família e dos apoiadores se remexem quando esse caso reaparece na mídia. Um ponto divertido, vivenciado inclusive por este que vos escreve, foi quando o grupo humorístico Porta dos Fundos lançou um especial de Natal na Netflix, com o personagem de Jesus Cristo aparecendo na casa dos pais acompanhado de um “amigo” com o qual passou os 40 dias de tentações no deserto. Para os Bolsonaristas, fazer piadas com Cristo é um ato repugnante, combatido à altura com piadas sobre a morte de Marielle, que não poderiam, portanto, ser censuradas. Eu particularmente acho isso bastante injusto. Afinal de contas, Jesus Cristo pelo menos a gente já sabe quem mandou matar.

Com o perdão pelo total desvio do assunto desse texto, retomo: o que fazer? Haverá ainda os que sugerem as pautas mais agressivas. Solucionar o problema por meio de uma revolta popular, ou insurreição, ou vandalismo, ou um dos vários nomes que a direita usa para apelidar tudo aquilo que ela não gosta de ver num museu. A revolução popular é o GameShark das soluções: uma proposta rápida de zerar o jogo, mas que deixa o gosto amargo da culpa pairando sobre o console. Não querendo incitar as massas a um cataclismo social, venho aqui propor uma via inovadora que pode ser a solução que todos inconscientemente buscavam: precisamos que Bolsonaro fique com a mão grudada na maçaneta do banheiro.

O plano é o seguinte: pela manhã, ao despertar de uma noite de sonhos inquietantes, Bolsonaro levanta da cama e vai até o banheiro. O presidente usa a privada, vai até a pia, lava o rosto e se olha no espelho. Pensa. “Hoje vai ser um dia melhor”. Ele se dirige até a porta. Ao pressionar a mão sobre a maçaneta, surpresa: está melecada com alguma coisa esquisita. Bolsonaro abre a porta, tenta sair do banheiro, mas não consegue. Sua mão está grudada.

O presidente chama: “Michele. Me ajuda. Minha mão grudou na maçaneta, Michele. Minha mão grudou nessa porra”. Michele, em um lampejo de lucidez, consegue enxergar na situação um futuro promissor para a nação brasileira. “Querido! Eu vou buscar ajuda” exclama a primeira dama, ao vestir um roupão e sair do quarto. Mas Michele não busca pela ajuda. Ela busca por uma mala na qual caibam algumas roupas, um secador de cabelo, o carregador de celular. Ela liga para o pastor da igreja. “X Æ A-12”, diz, em voz baixa, e desliga. O pastor entende o código. Pega um chapéu. Vinte e cinco minutos depois ele estaciona a três quadras do palácio, com duas passagens só de ida para a Tailândia no porta-luvas.

Os filhos, estranhando a ausência do pai, decidem checar. Se deparam com um presidente desesperado, com a mão grudada na maçaneta do banheiro, chorando. As reações variam. O filho 01 não vê solução além de estourar a maçaneta com uma rajada do seu rifle semi-automático. Sai em busca da arma. Catatônico, ele pondera se estaria pondo em risco a vida do pai. O 02 e o 03 decidem fugir. No fundo, esperavam por isso a vida inteira: um, por não aguentar mais esconder um relacionamento proibido; o outro, por más influências. Os filhos mais novos acabam por nunca ficar sabendo do incidente.

Surgem os aliados do governo para tentar ajudar. O General Mourão é o primeiro a olhar para a patética cena, colocar as mãos nos bolsos e sair assobiando. “Queria eu ter tido essa ideia” pensa, sem falar nada. Regina Duarte se debulha em lágrimas de alegria. “‘Mão do Presidente grudada na maçaneta’ é uma metáfora melhor que ‘peido do palhaço’”, conclui. Os outros ministros, um por um, decidem que a mão grudada do presidente é o elemento que faltava, a variável a ser isolada do processo científico de busca pela cura do vírus. Decidem deixar como está. Nada muito difícil de resolver: um disparo de alguma notícia falsa aqui, uma centena de bots a replicando lá. A área do acontecimento é isolada. Seguranças proíbem a entrada.

No ano de 3020, o esqueleto do Presidente Sem Nome, ajoelhado, com a mão grudada na maçaneta de uma porta e preservado por uma camada de verniz impermeável, é visitado pelas crianças da cyber-escola. “Memórias de uma época difícil”, diz o holograma.

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Bolívar Escobar

Só vim dar uma olhada, já vou embora (textos sobre séries e filmes contém spoilers).